A Gaiola Dourada

Há filmes simples que marcam e facilmente se tornam filmes de vida. Foi tempo de ver um filme que tem sido falado nos círculos mais próximos. As opiniões divergem bastante: do humor absoluto até a um drama inquestionável. Creio que o contexto de cada um que manifesta a sua opinião, molda de forma muito vincada essa opinião. Não sabendo se é um dos filmes da minha vida, é um filme que desejo ter por perto durante muito tempo. Vejamos...


Este filme faz sentir emoções extremas, que vão desde a gargalhada incontrolável, com a lágrima no canto do olho de tanto rir, até à lágrima no canto do olho provocada pelo nó na garganta apertado e dificilmente controlável. Faz com que as emoções passem, de forma rápida e imperceptível, da amargura à euforia, da alegria à angústia, do riso à angústia. Já não me ria tão descontroladamente há muito tempo. O nó na garganta também me deixou satisfeito. A questão é, como é que um filme simples, feito essencialmente com pessoas e sem grandes questões técnicas (para um leigo na arte cinematográfica), pode ter este efeito? Creio que a resposta é precisamente porque é um filme feito para pessoas. Pessoas como eu, que tendo família no estrangeiro, nunca soube muito bem como é a vida deles, quais as suas dificuldades, quais as suas angústias e as suas alegrias. Este filme dá-nos, de forma palpável, a oportunidade de seguir uma família que poderia ser a nossa. No meu caso, apenas tenho dificuldade em perceber de onde poderia cair uma herança da retratada no filme, mas com ou sem herança, o drama entre quem quer vir e quem quer ficar deve ser grande, e nos momentos que passamos juntos, percebe-se um pouco desse dilema.

Sem estar atento aos pormenores sociológicos, foi gratificante perceber que é fácil rir dos nossos estereótipos. Aliás, é mais fácil saber como combater esses estereótipos, os que interessa combater, se nos conhecermos e se conseguirmos rir de nós próprios. Não sei se li ou ouvi alguém dizer que este filme é importante porque, à imagem do que acontecia com o António Silva e o Vasco Santana, este é um filme que ajuda os portugueses a rir de si próprios. Nos últimos anos, tem havido uma enorme dificuldade em nos rirmos de nós próprios.

Foi gratificante saber que existe uma comunidade com espaços portugueses, com fado, com bacalhau, com a aguardente e com a cerveja portuguesa. É gratificante saber que existe um enorme interesse em ver um Porto vs Benfica. O asneiredo dito torna-se irrelevante quando os sentimentos que uns nutrem pelos outros é tão saudável e genuíno. Ver as sardinhas e os fogareiros faz-nos sentir, de alguma forma, parte daquele mundo. E, sem qualquer dúvida, que as paisagens de Paris são encantadoras, e quer os franceses queiram, quer não, uma parte de Paris também é portuguesa. O filme passou uma imagem mais positiva dos franceses nativos do que aquela que normalmente se tem, por terras lusas. Eu gostava que fosse realmente assim mas...

Gostei de ver que a mesa é elemento central na vida dos portugueses. A maioria das grandes decisões são tomadas à mesa. à mesa há convívio e fortalecimento de relações. Estou perfeitamente enquadrado. Também sou um Tuga. Todos somos Tugas, embora alguns queiram parecer mais sofisticados (e uns quantos são), mas a mesa está sempre presente. Seja com uma vitela ou com uns legumes raros!

Gostei de ver um filme que passou para a tela de forma convincente e credível aquilo que apenas consigo imaginar. Apenas o final me pareceu menos convincente, ou extraordinariamente raro, pela herança que entrou nas contas dos Ribeiro. Tudo bem, foi o motivo que deu origem à ação para lá da simples vontade de regressar às origens, mas pareceu-me um pouco forçado.

Acredito que este filme possa ser marcante, não só pela história em si e por a maioria de nós, por terras lusas, termos um familiar, um amigo, um vizinho lá fora, mas também pela reflexão a que nos obriga, fazendo-nos questionar "E se fosse eu?".

Temos no sangue a vontade, a ousadia ou a necessidade de explorar novos mundos. Temos no DNA uma propensão para ir para fora, tentar encontrar algo melhor. É bom ver que existem estas comunidades que tornam mais fácil a saída das origens e a chegada a um sítio novo e estranho. Fico mais descansado por quem tem que ir.

Este filme sobre emigrantes dos "tempos antigos" fez-me sentir orgulho de ser Português e vontade de ser aceite por aquela comunidade. Fez-me pensar que quem anda por fora, valoriza muito mais aspetos que para nós são dados adquiridos. Farei por ver de novo a Gaiola Dourada, pois sei que me fez perceber melhor o que se passa em Paris, em França e em muitos outros locais com comunidades portuguesas. Fez-me sentir mais próximo!

É com satisfação que soube que este filme foi nomeado para os Prémios do Cinema Europeu (European Film Awards), para a categoria Prémio do Público.


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