A (des)informação no setor público



“- Ah, com esta data já não serve. Tem mais de dois meses!”
“- Sim, mas na altura disseram-me para pedir o relatório clínico e no Centro de Saúde disseram que seria chamada entretanto, mas como não chamaram achei estranho e vim perguntar. Então, aqui já me disseram que teria de ser eu a marcar… e marquei… e por isso já tem mais de dois meses! Fui mal informada!”
- “Pois, mas agora já não serve. Tem de voltar lá e pedir outro!”
- “O quê?”
- “Sim, mas não há problema passam-lho na hora!”
- “Não é bem assim. Este relatório demorou 5 semanas a chegar”.
- “Ai, não pode ser, passam-lho na hora!”
- “Minha senhora, estou-lhe a dizer que não! Este demorou 5 semanas a vir!
- “Pronto, mas amanhã volta lá, aproveita e levanta-se cedo e estabelece uma rotina e volta lá e depois volta cá para darmos seguimento…”

O seguimento é de um assunto que começou em maio de 2013. Não vou avançar com o tema do assunto em si porque é do foro pessoal. Contudo, esta história é verídica e diz respeito a um setor público, neste preciso caso, à saúde!
Em Portugal ainda existe muito o “estigma” de que as pessoas adoecem porque querem. Vão ao médico porque querem. Metem baixa porque querem. Queixam-se porque querem. Algumas (creio) devem inclusive chegar a morrer apenas porque querem… será?
Felizmente este “estigma” tem vindo a diminuir, mas ainda assim são alguns os laivos de incompetência, ignorância, desprezo, desdém, que vamos encontrando nos serviços públicos nacionais.
A saúde (infelizmente) tem sido um dos setores que mais tenho acompanhado de perto nos últimos tempos…


A história que acima vos conto passa-se com uma pessoa que está doente e que entre muitas outras consequências da doença tem o cansaço como fator principal. Por isso, parece-me uma “brutalidade” andar há cinco meses para resolver um processo que, com a boa vontade de meia dúzia de pessoas já estaria resolvido.

Mas, infelizmente a incompetência, ignorância, desprezo e desdém não se ficam por este processo de papelada… na realidade estende-se também ao(s) restante(s) atendimento(s).

(E aqui vou fazer um parênteses para que não seja mal interpretado: esta opinião não se estende a todos os elementos das classes que a seguir possam ser mencionadas: auxiliares, administrativos, técnicos, enfermeiros, médicos. Como em todos os setores há bons e maus profissionais e para nossa gáudio e prazer têm sido mais os bons profissionais que temos encontrado do que os maus. A esses que têm sido exemplares o nosso muito obrigado).

Não vou referir nome de instituições, mas na verdade existe (PARA MIM) uma diferença enorme de tratamento consoante a instituição (de saúde) pública em que entramos.

Sendo o problema a que me refiro do foro oncológico convém deixar claro que nesta unidade da zona centro do país em que temos sido seguidos não há nada de negativo a registar. Um ou outro pormenor que teríamos feito diferente, mas sem direito a ressalva. O humanismo está (muito) bem presente em todas as classes e o profissionalismo também.

Contudo, esta instituição não tem urgência. Por isso, necessitámos recentemente de recorrer ao INEM e posteriormente a uma urgência da região que estava aberta às 4h30 da manhã. Não é fácil trabalhar a esta hora, mas duvido que algum doente que tenha entrado nessa dita urgência àquela hora o tivesse feito porque simplesmente lhe apeteceu. Em relação ao INEM: cinco estrelas. Foram rápidos e cuidadosos.

Comecemos pelo “guichet”: 4h30 da manhã – “trombas”. Pela frente via arquivos e impressoras mas, as "trombas" e o cansaço das 4h30 da manhã levaram a minha imaginação a visualizar uma "selva". Mas, o “animal de trombas" que tinha pela frente, não tinha a voz adequada ao visual: falava baixinho, como se estivesse a dormir e eu a sonhar. Por cada vez que eu pedia para repetir o que sussurrava, o “animal de trombas” bufava tal era o forte sacrifício que estava a fazer…

Passado o primeiro obstáculo, eis o segundo: a senhora enfermeira antes mesmo de ler o que tinha escrito o senhor do INEM já estava a “berrar” com a paciente, a dizer que não era nada e que não se mexia porque não cria: “vamos lá a mexer!!!” Com o meu maior e melhor sorriso tentei explicar à senhora aquilo que poderia estar a originar aquele comportamento por parte da paciente e perante tal explicação houve uma mudança repentina de atitude: o “bicho” que estava deitado na maca e que veio "à selva" incomodar às 4h30 da manhã passou a ser tratado como o “bebé” e passou a ser “embalado” na “alcofa”.

Eis que duas horas e meia depois chegam as análises e “afinal o senhor tinha razão. Ela estava mesmo mal. As reservas de potássio e magnésio estão muito em baixo e o médico diz que ela terá de ficar aqui umas horas a fazer magnésio e potássio. Já tomou café? Já tomou o pequeno-almoço? Já dormiu alguma coisa?”
"Eh pá, eu estou bem, tratem é dela por favor! Afinal de contas há duas horas e meia ralhavam e diziam que não tinha nada…”

Obviamente, no meio da selva houve também muitos "bichinhos" simpáticos e meigos e que nem por isso deixaram de ser profissionais. A "selva", diga-se, é uma verdadeira confusão, mesmo que de noite e acredito que fossem precisos bem mais "bichinhos" para tratar de todos aqueles doentes e que os "bichinhos" que lá estão passam o turno a correr, mas de uma coisa também tenho a certeza: quem recorre ao serviço não tem culpa!
 
Um pouquinho mais de paciência, compreensão e solidariedade ajudava bastante. Ah… e vestirem o fato da convicção de que uma pessoa não adoece porque quer, não vai à urgência simplesmente porque quer, não vai ao médico apenas porque não tem mais nada para fazer… pelo menos alguns…”

O que nos vale é que, na doença, nem tudo é mau: temos encontrado pessoas incríveis! E, essas, as que verdadeiramente nos ajudam e estão lá para nós, mesmo sem qualquer laço familiar, sabem quem são. A elas, "obrigadão"!

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