Há pouco tempo encontrei uma amiga que foi protagonista de uma história que ainda hoje é das minhas preferidas que recordo, não com saudosismo, mas com esperança no futuro.
Contou-me essa amiga a sua experiência numa multinacional portuguesa e numa multinacional alemã, ambas a operar em Portugal. Depois de um estágio e de uma ou outra experiência, teve a oportunidade de integrar um projeto numa multinacional portuguesa, com crédito na praça e reconhecimento além fronteiras. Nessa altura, era raro o dia em que saísse antes das 20 horas. Era claro para todos que quem fosse cumpridor de horários era mal visto e punha em causa a sua progressão na carreira. Podiam ficar a ler o jornal, a jogar solitário ou a falar no messenger (na altura era o último grito). Podiam cumprir com a sua atividade do dia no horário previsto, mas saír a horas era mal visto. Os gabinetes ficavam cheios até tarde.
Passado alguns anos integrou um outro projeto numa multinacional alemã. Nos primeiros dias, com a vontade de mostrar trabalho e de estudar processos e a organização da empresa, e com toda a experiência trazida do projeto anterior, ficar até às 8 horas da noite era normal. Ganhava ainda tempo extra porque estava mais próxima de casa. Até que um dia o seu superior hierárquico vai ao seu gabinete e questiona-a sobre os motivos que a levam a estender tanto o seu horário. Depois de umas explicações lógicas, é-lhe dito que valorizavam muito a vida familiar porque esse equilibrio era fundamental para o bom desempenho e que teria que rever a sua atitude. Tinha que cumprir horários e, excecionalmente, poderia haver necessidade de algum tempo extra. Caso houvesse a necessidade de continuar com aquelas jornadas diárias, teriam que averiguar se o porblema estava relacionado com as atividades que lhe eram pedidas, pois poderiam ser em excesso e teriam que ter mais alguém ou se era o seu desempenho, e teriam que a ajudar de alguma forma a melhorar as competências. Esta amiga contava a história com um misto de alegria e de perplexidade, pois era-lhe dificil acreditar neste tipo de postura. Mas ainda hoje está nessa empresa, cumpre orgulhosamente horários e tem um brilho nos olhos quando fala no seu trabalho. Mesmo neste momento de crise, é um bom motivo para reflexão.
Relembrei-me desta história agora, devido a um estudo que foi realizado pela Universidade de Aveiro que afirma e demonstra que Portugueses têm boa capacidade de trabalho e por uma história semelhante, escrita por Alberto Castro, no JN em 2012-06-05 e intitulado Mandriões, que transcrevo de seguida:
"Há uns anos, um jovem licenciado português, a estagiar na Alemanha numa conhecida empresa daquele país, viu-se, sem querer, metido numa confusão. Tentando aproveitar ao máximo os nove meses que durava o estágio, ficava até mais tarde a adiantar o que lhe era pedido e a tentar descobrir como as suas competências poderiam ser úteis à empresa.
O horizonte não estava tão carregado quanto hoje mas um emprego numa multinacional reputada não era de enjeitar. Certo dia recebeu uma chamada aflita do segurança, ordenando-lhe que descesse imediatamente e apagasse a luz.
Ao sair, o que sabia de alemão deu-lhe para perceber que havia um problema com a Polícia ou coisa assim. Continuava sem entender o que tinha ele a ver com o assunto. No dia seguinte, mal se apresentou ao trabalho foi chamado ao gabinete do seu superior hierárquico que lhe determinou que, se queria manter o estágio, passaria a proceder como os seus colegas e saía de acordo com o horário.
Se fosse preciso fazerem horas extraordinárias alguém lho diria. Percebeu, então, que uma qualquer fiscalização teria visto luz no seu espaço de trabalho e indagara a razão junto do segurança: se teria havido descuido dele na ronda, deixando a luz acesa, ou se havia alguém a trabalhar e, nesse caso, em que contexto.
Fosse pela eventual multa, fosse, pura e simplesmente, pela violação da lei, a verdade é que a pessoa a quem reportava não tinha achado graça nenhuma ao seu excesso de zelo.
Um ou dois anos mais tarde, uma outra participante do programa Inov Contacto da AICEP estagiava numa multinacional de bioengenharia em S. Francisco. A sua atitude era a mesma: aproveitar ao máximo para aprender, cumprir escrupulosamente as tarefas que lhe estavam destinadas e, num mundo competitivo, tentar salientar-se na esperança de que tal pudesse gerar uma oferta de emprego.
Certo dia, ao chegar ao trabalho, tinha à sua espera a pessoa a quem reportava. Encaminhou-a para uma sala privada onde lhe anunciou que, a partir daquele dia, o seu correio electrónico passaria a estar vigiado e o seu comportamento seguido de perto. Se não estivesse disponível para aceitar essas regras, o estágio cessaria imediatamente. Inquirindo a razão para tão drástica decisão, foi-lhe respondido que era suspeita de espionagem industrial. Espantada, jurou que não. A resposta da americana foi muito simples: ninguém trabalharia tanto se não tivesse um incentivo adicional.
Passaram, talvez, uns 10 anos. A Alemanha e os Estados Unidos continuam a estar entre os países mais ricos do Mundo, não obstante o recente declínio relativo da economia americana. As suas empresas continuam a ser, internacionalmente, das mais competitivas, posição assente na capacidade inovadora e na elevada produtividade. Ainda que na última década tenha havido alterações institucionais e políticas que aproximaram o contexto alemão do americano, as diferenças continuam a ser substanciais. Ou seja, envolventes diferentes conseguem produzir empresas igualmente eficientes. Poder-se-á argumentar que, em ambos os casos, há uma orientação para esse objectivo, caminhos distintos mas um sistema igualmente finalizado. Uma parte da explicação estará, certamente, aí. Uma parte. E não a maior. Cavando mais fundo, vamos encontrar outros factores, desde o investimento e a investigação e de-senvolvimento até ao design, desde a qualificação da força de trabalho até à organização e ao sistema de incentivos. Factores que reflectem opções, escolhas para tentar fazer acontecer algo de diferenciador, que rompa com a inércia, que se afaste do que de outro modo ocorreria. Numa palavra, gestão.
Enquanto isso, por cá, o responsável por um dos maiores grupos nacionais proclama, perante jovens finalistas universitários, que naquela casa não há lugar para mandriões. Ninguém ali trabalha só 8 horas. Uma frase descontextualizada. Ainda assim perigosa. Oxalá o nosso problema fosse só de quantidade e não, sobretudo, de qualidade... A começar na gestão!"
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