"Dá-se esmola para tirar da frente o miserável que a pede!"
Cesare Pavese
Nesta altura do ano começam as tentativas de nos fazer sentir os piores tipos do mundo. Merecemos estar fora das listas do Pai Natal, ser escorraçados pela sociedade e até excluídos de qualquer desejo relacionado com o Espírito Natalício. Quem promove essas tentativas? Alguns duendes do Pai Natal, a rena Rudolfo sempre que bebe demais, os próprios pedintes e ainda algumas pessoas que gastam toda a solidariedade nesta época e que a promovem alto e bom som. Mesmo que sejam solidárias 1 vez num ano, toda a gente fica a saber, e ganham crédito para o restante ano. Mas o Jorge Fiel escreveu um texto que descreve bem a situação:
" Não gosto de dar esmolas
Não tenho o hábito de dar esmolas. Incomoda-me ser confrontado por pessoas a quem não me liga qualquer espécie de laço e que, sem mais, me pedem dinheiro. Digo que não com a cabeça, mas fico com um sentimento de culpa por não ter correspondido ao pedido de auxílio de alguém que as circunstâncias da vida forçaram a abdicar dos mais básicos princípios da dignidade humana e a andar pelas ruas, de mão estendida, a pedir uma moedinha.
Sinto culpa mas também revolta até porque há algo de extorsão emocional no ato de pedir, a que sinto que não devo ceder.
"Olha para ti, bem alimentado, dinheiro na carteira, salário a cair todos os fins de mês na conta e egoísta ao ponto de não me dares uma moeda de valor equivalente ao que custa uma saqueta de cromos para o teu filho ou ao que deixas de gorjeta na mesa do restaurante".
É esta censura chantagista que sinto no olhar dos pedintes de rua - e por isso evito cruzar-me com eles, o que já me obrigou a refazer os percursos. Em vez de subir a Av. da Boavista até à Rotunda, passei a cortar pela rua do cemitério de Agramonte para evitar a velhinha de óculos, com idade para ser minha mãe, que todas as manhãs estaciona bem cedo, nos semáforos da Casa da Música, e bate no vidro do lado do condutor a pedir uma moedinha.
Infelizmente, a pobreza alastra como uma mancha de óleo. Com 1,4 milhões de reformados com pensões inferiores a 500 euros/mês, mais de um milhão de pessoas sem emprego, 330 mil a viverem do RSI e 550 mil a ganharem o salário mínimo, não nos podemos espantar quando o Eurostat diz que um em cada quatro portugueses vive em risco de pobreza.
O mais alarmante é que, por causa do desemprego, divórcio ou sobre-endividamento, 41% dos carenciados são novos pobres. E a pobreza de quem nunca foi pobre é socialmente mais preocupante do que a resignação das pessoas que já não se importam de a ostentar, andando pelas ruas a pedir uma moedinha.
Eu sei que não me compete a mim, individualmente, combater a pobreza e desigualdade galopantes. Esse o papel de redistribuição da riqueza e fomento da coesão social pertence ao Estado que há 34 anos alimento com os meus impostos.
Mas também sei que, a curto prazo, o Estado é tão capaz de ter sucesso nessa tarefa como uma bailarina com uma perna de pau.
Por isso, todos nós devemos contribuir diretamente para atenuar a pobreza, de forma organizada e não dando esmolas, mesmo sabendo que isso é uma aspirina que atenua a dor mas não extirpa o mal. Por isso, vou ser particularmente generoso na próxima recolha do Banco Alimentar, agendada para o primeiro fim de semana de dezembro.
Temos de ser cuidadosos a distinguir entre a filantropia da responsabilidade social e a bolorenta caridade do bodo aos pobres. Mas não podemos deixar de ajudar a diminuir o índice de infelicidade no próximo Natal."
Ver texto original em:
http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=2894451&opiniao=Jorge%20Fiel
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