As reclamações são uma oportunidade perdida por muitas organizações. São vistas como algo negativo, algo a evitar. Muitas vezes ignoram-se, como se ignorando, o problema desaparecesse.
Como dizia Aldous Huxley "Os factos não deixam de existir só porque são ignorados." No entanto, muitas vezes, não se faz nada para os evitar. O que acontece de facto, é o esforço e empenho em esconder/ocultar as reclamações. Mas elas existem. Estão lá. Por muito que as organizações façam para esconder as reclamações, é muito difícil que não passem para a praça pública. Atualmente, esta passagem é facilitada pelas redes sociais. Acresce ainda que uma situação mal resolvida de início, se pode tornar víral. Depois de sair a informação, é praticamente impossível parar a partilha da mensagem por milhares de pessoas. Passados anos, ainda há quem partilhe as mensagens tomando-as como novas. Todos nos recordamos do caso de uma loja de telemóveis e material complementar que teve um grande rombo pelo mediatismo que a má resolução de uma reclamação originou. Ou o efeito avassalador que uma empresa de eletricidade a atuar em Portugal sofreu por retirar um comentário do Facebook.
Esta época de crise tem um efeito perverso: numa altura em que deviam ser feitos todos os esforços para cativar os clientes, "incluindo" um atendimento competente, é o momento em que o estado depressivo da nação faz com que haja um maior número de pessoas tristes e insatisfeitas. Esta tristeza e insatisfação tem consequências graves. Por um lado, diminui a disponibilidade para atender bem os clientes. Por outro lado, aumenta a facilidade com que se geram conflitos, resultando em problemas e em reclamações.
Atualmente, é fácil encontrar pessoas mal dispostas, onde quer que se vá. Felizmente, ainda há alguns resistentes que conseguem fazer bem o seu trabalho e demonstram ter capacidade real para bem servir clientes. O facto é que todos encontramos muito mais gente mal disposta por todo o lado. Empresas privadas, instituições públicas, cafés e restaurantes, e todos os locais por onde tenho passado mostram pessoas com uma grande angústia provocando, várias vezes, ansiedade a quem necessita de obter um serviço.
Há pouco tempo, fui à loja do cidadão onde, habitualmente sou bem servido, independentemente do assunto que vá tratar. A imagem que tenho das instituições públicas foi altamente melhorada pelos serviços prestados nestes locais. No último dia em que tive que me deslocar à loja do cidadão, o sistema informático estava "off". Fui a uma instituição tradicional e todas as histórias que se vão ouvindo sobre as instituições públicas, vieram à memória. Provavelmente, estou a ser injusto e há muitas que se modernizaram e têm uma forma diferente de atuar. Mas não esta. Presenciei um funcionário a berrar com um velhote que não sabia bem o que fazer e, resignadamente, olhava para o texugo que estava à sua frente dizendo que só queria entregar os papéis. Presenciei uma funcionária a ir pedir informações a um colega e a rir-se descaradamente de um cliente, não fazendo qualquer esforço para evitar que as palavras que dizia fossem ouvidas por aquele a quem servia. O cliente, que não era de se ficar, começou a falar alto e bom som e a dizer-lhe coisas que a senhora não deveria querer ouvir.
Por fim, chegou a minha hora e dirigi-me para o local de atendimento que me tinha calhado na senha com um nervoso miudinho. Provavelmente estavam a fazer-me um enorme favor em me atender e eu, com a minha ignorância nestas andanças, não tinha consciência desse facto.
Disse duas vezes bom dia para obter um grunhido como resposta, apesar de ter sido dito de forma audível cada uma delas. Finalmente dispôs-se a olhar para quem tinha chegado. Senti que era mais um fardo que aquele funcionário desgraçado, que é pago para resolver os problemas dos cidadãos, tinha que carregar. Fiz 4 questões ao funcionário que me atendeu. Eram dúvidas estruturadas e colocadas de forma simples e direta, pois tinha tido a preocupação de as organizar em casa. A resposta, a cada uma das 4 perguntas foi a mesma. Era uma informação relevante para mim, mas não era a resposta a qualquer das perguntas feitas. Ainda coloquei 2 das questões de forma diferente, pois podia ter-me explicado mal. A resposta era a mesma. Saí com o objetivo cumprido de atualizar os meus dados, o que foi feito informaticamente, mas com a certeza de que não valia a pena continuar a tentar esclarecer as minhas dúvidas e que teria que ler a legislação em casa. Não sei se hei-de abençoar ou amaldiçoar a loja do cidadão. Habituou-me a tratar dos problemas com rapidez e boa disposição e com pessoas que, no geral, são bem dispostas e atenciosas (não há-de ser apenas uma grande coincidência de ser atendido sempre pessoas com estas caraterísticas). É a necessidade de tratar de questões em certos locais que nos faz perceber que, geograficamente falando, ainda estamos muito mais próximos de África, do que da Europa.
Por fim, chegou a minha hora e dirigi-me para o local de atendimento que me tinha calhado na senha com um nervoso miudinho. Provavelmente estavam a fazer-me um enorme favor em me atender e eu, com a minha ignorância nestas andanças, não tinha consciência desse facto.
Disse duas vezes bom dia para obter um grunhido como resposta, apesar de ter sido dito de forma audível cada uma delas. Finalmente dispôs-se a olhar para quem tinha chegado. Senti que era mais um fardo que aquele funcionário desgraçado, que é pago para resolver os problemas dos cidadãos, tinha que carregar. Fiz 4 questões ao funcionário que me atendeu. Eram dúvidas estruturadas e colocadas de forma simples e direta, pois tinha tido a preocupação de as organizar em casa. A resposta, a cada uma das 4 perguntas foi a mesma. Era uma informação relevante para mim, mas não era a resposta a qualquer das perguntas feitas. Ainda coloquei 2 das questões de forma diferente, pois podia ter-me explicado mal. A resposta era a mesma. Saí com o objetivo cumprido de atualizar os meus dados, o que foi feito informaticamente, mas com a certeza de que não valia a pena continuar a tentar esclarecer as minhas dúvidas e que teria que ler a legislação em casa. Não sei se hei-de abençoar ou amaldiçoar a loja do cidadão. Habituou-me a tratar dos problemas com rapidez e boa disposição e com pessoas que, no geral, são bem dispostas e atenciosas (não há-de ser apenas uma grande coincidência de ser atendido sempre pessoas com estas caraterísticas). É a necessidade de tratar de questões em certos locais que nos faz perceber que, geograficamente falando, ainda estamos muito mais próximos de África, do que da Europa.
Em 2007 escrevi um artigo sobre reclamações. Considerava que quando se falava de qualidade, este era um tema central. Hoje, mesmo com o contexto de crise, considero que as boas instituições e empresas têm o cuidado de treinar os seus colaboradores para saber como lidar com reclamações e como gerir conflitos. Se no caso das instituições públicas esta diferença não é fundamental para a sobrevivência das mesmas, no caso das empresas privadas pode fazer a diferença entre sobreviver, ou ser apanhada na rede da insolvência. Por isso, reli o artigo que agora partilho convosco e que se mantém muito atual:
* “95%
dos clientes insatisfeitos têm a sensação de que não vale a pena
reclamar porque não são atendidos.”
* “É
mais provável que o cliente que apresenta reclamação continue como
cliente do que o que não se queixa.”
Fonte:
Technical
Assistance Research Programs
U.S.
Office of Consumer Affairs
A
generalidade das organizações tem um grande desafio: A mudança de
atitude relativamente às reclamações. A reclamação deve ser
vista de forma positiva, tanto na perspectiva do cliente como da
organização. Quando o cliente faz uma reclamação, está a
manifestar insatisfação relativa a um produto/serviço. Para o
cliente é expectável a resolução ou resposta ao problema sujeito
a reclamação. A organização tem, com a reclamação recebida, uma
oportunidade para superar as expectativas do cliente, invertendo uma
imagem negativa devido à insatisfação relacionada com um
produto/serviço, seja o problema real ou aparente. Ao dar a atenção
devida aos clientes, as organizações aumentam a lealdade dos seus
clientes, porque estão a aumentar um factor fundamental na relação
cliente/organização: a confiança.
A
Organização Internacional de Normalização (ISO) tem desenvolvido
normas relacionadas com a gestão das reclamações. Considerou três
grandes momentos para o desenvolvimento de normas que permitam
orientar as organizações:
Momento
1
– Prevenção da reclamação: este momento corresponde ao
desenvolvimento de Códigos de Conduta, que permitam a prevenção da
reclamação. Está em curso o desenvolvimento da norma “Quality
Management: Costumer Satisfaction – Guidelines for Codes of
Conduct”
(ISO 10001).
Momento
II
– Tratamento da reclamação: este momento corresponde ao processo
de recepção e tratamento de uma reclamação. Foi
aprovada, em 2004, a norma “Quality
Management: Costumer Satisfaction – Guidelines for Complaints
Handling in Organisations”
(ISO 10002).
Momento
III
– Resolução externa de conflitos: este momento corresponde à
passagem para entidades externas da resolução de conflitos. Está
em curso o desenvolvimento da norma “Quality
Management: Costumer Satisfaction – Guidelines for External
Customer Dispute”
(ISO 10003).
A
ISO 10002, correspondente ao tratamento de reclamações, é de facto
um sistema de gestão do tratamento das reclamações. Esta norma é
compatível e complementar a um Sistema de Gestão da Qualidade, que
tenha como norma de referência a ISO 9001.
A
ISO 10002 está estruturada com base em grandes requisitos:
- Princípios Orientadores: é recomendada a utilização destes princípios, de forma a garantir a efectiva gestão de reclamações.
- Enquadramento do tratamento de reclamações: deve ser evidente o compromisso e a política da organização. Deve ser claro para todos o seu papel e responsabilidades.
- Planeamento e Concepção: deve ser planificado um processo eficiente de tratamento de reclamações, com vista à manutenção de um elevado nível de satisfação dos clientes. Este processo deve definir objectivos e ter em consideração as actividades e recursos necessários para os alcançar.
- Operação do Processo do tratamento de reclamações: deve ser garantida a operacionalidade do processo, garantindo um conjunto de medidas que promovam a apresentação de reclamações, de forma a facilitar a identificação de problemas. A identificação é o primeiro passo para a sua resolução. Entre estas medidas encontram-se: a comunicação (e.g.: recepção, acompanhamento ao cliente), a investigação da reclamação, a resolução da reclamação e o seu encerramento.
- Manutenção e melhoria do sistema de gestão das reclamações: garantido através de um conjunto de actividades, que devem contemplar no mínimo as seguintes actividades: recolha de informação, análise das reclamações, satisfação com o processo de tratamento de reclamações e sua monitorização, auditorias ao processo, revisão pela gestão e melhoria contínua.
A
implementação adequada de um sistema de gestão tendo como norma de
referência a ISO 10002, promove o encarar de cada reclamação como
uma oportunidade. Assim, o efeito negativo das reclamações é
minimizado, podendo ser promovido o seu efeito positivo. Deve ter-se
em consideração que há dois efeitos resultantes da reclamação:
-
A imagem da organização sai lesada, caso a reclamação não seja
cuidadosamente tratada, e se for descurada a comunicação e a
transparência com o cliente.
-
O cliente, no final do processo de reclamação, reforça a sua
confiança na organização, e um processo que “a
priori”
tem uma conotação negativa, pode reforçar, a imagem positiva das
organizações. Mais, a organização deve aproveitar para antecipar
potenciais problemas com outros clientes, e ter uma actuação
pró-activa, resolvendo os problemas, antes ainda de o cliente se ter
apercebido.
Este
poderá ser o próximo grande salto da sua organização."
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