as asas, o porco e o escritor


Ferreira Fernandes presenteia-nos, normalmente, com textos de luxuosa análise social com um humor absolutamente promotor da reflexão e do riso, ou do sorriso, pois a gargalhada farta não surge espontaneamente com estes textos, surge sim um riso/sorriso cúmplice e subtil. Ainda nos permite retirar morais das suas crónicas e até imorais.

Vale a pena ler uma crónica sua do "tempo da gripe suína", que incorpora lições, lemas, morais e imorais intemporais:

"Um professor disse a John Steinbeck que ele só seria escritor no dia em que um porco voasse. Em 1962, Steinbeck (As vinhas da ira, A leste do paraíso...) ganhou o Nobel da Literatura. Em homenagem irônica à imprevisão do seu professor, o grande escritor americano adoptou como lema a frase em latim 'ad astra per alia porci' que ele pretendia que significasse 'até às estrelas, nas asas de um porco'. É um bom lema, voluntarioso: deixem-se de lamúrias, quem quer, consegue. Por estes dias, o porco tem outra má conotação: a gripe suína é transmitida pelos ares. Entretanto, enquanto as autoridades médicas se interrogam sobre a velocidade a que o vírus vai voar pelo mundo, a paternidade da epidemia voou do porco: já não é gripe suína. Hesitou-se entre gripe mexicana e gripe norte-americana, até se fixar, pela OMS, agora, em gripe A. Pronto, os porcos já não voam. Aliás, nem mesmo no lema de John Steinbeck. Aquele 'ad astra per alia porci está errado em latim. Se o escritor quisesse ir 'nas asas de um porco' deveria ter escrito 'per alas porci'. Bem-vindo à terra, gentil leitão."

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