Da Azinhaga...


Caro Saramago,

Como grande Homem que és, não deixas ninguém indiferente às tuas palavras ou acções.
Até na morte, que deveria ser um momento de paz, atiças a fogueira e alimentas discussões apaixonadas e muitas vezes irracionais.

Ficas em Espanha ou vens para Portugal? Azinhaga ou Lanzarote? Viriato ou "nuestro hermano"? Luto oficial ou não? 1 dia ou 2 dias? 3 dias?
Ainda não libertas-te a alma lúcida desse corpo cansado e já tens motivos para te regozijares: o teu último capítulo, é um momento sublime de discussão. Dias a fio! Conseguiste calar durante pelo menos uma tarde as vuvuzelas! Não sei quem mais o conseguiria!

Para te analisar com o minimo de seriedade, é necessário dividir 3 dimensões da tua pessoa: o homem, o político e o escritor. Quem te conhecer melhor, fará uma anállis mais completa e mais correcta, mas esta é a minha análise a quente do pouco que te conheço:

O Político:
Apesar de conhecer mal o teu percurso político, sei que és desde há muitos anos um comunista convicto. Com tudo o que isso tem de bom, como as lutas anti-regime, no tempo da ditadura, e de menos bom, como a estagnação e a falta de capacidade de adaptação às exigências da democracia, confesso que discordo em quase tudo o que é o teu pensamento político. Acredito que também tu discordas de muito do teu pensamento político. Isto porque fiquei com a sensaçã que a convicção nos ideais de sempre foi perdendo alguma força nos últimos anos.

O Homem:
Muitos não gostam de ti! Muitos idolatram-te! Como os grandes homens ou és amado ou odiado. A moderação nos sentimentos por ti, é dificil! Também tens grande responsabilidade nisso! Também tu dificilmente tens posiçoes moderadas. És essencialmente radical, tal como as opiniões sobre ti. Confunde-se o homem com o artista, e não gostar de um conduz, com facilidade, a que não se goste do outro. Mudaste para Espanha. A percepção que tenho é que mudaste por birra! Por zanga! E foste mantendo essa morada como uma vingançazinha pelo que te fizeram alguns, quando estavam em posição de destaque! Era um direito teu, mas não ajudou à moderação sobre ti. Por vezes penso que eras um mago em marketing e essa tua passagem para Lanzarote foi uma jogada de génio na tua carreira e reconhecimento. Apesar da Pilar.
Desde que me lembro de ti, sempre foste irascível, polémico, intolerante e impaciente. Creio que arrogante também. Quem partilhava dos teus valores, compreendia-te. Quem não os partilhava, pagava na mesma moeda! Será que comportamento gera comportamento? Pode-se aqui aplicar o aforismo " amor com amor se paga..."?
Mas tudo isto foi importante para mim que, sabendo estar por princípio no outro lado da barricada, obrigaste-me a pensar diversas vezes no porquê de ter posições contrárias. E nem sempre foi fácil arranjar argumentos... Obviamente que não sabes disto, pois nunca argumentaste comigo, mas eu sei, porque argumentei contigo.
Agradeço-te por me teres proporcionado momentos importantes de reflexão. Também por momentos de intensa irritação contra ti! Mas tudo isto me ajudou a ter mais certezas (ou mais dúvidas) sobre as minhas convicções!

O escritor:
És Nobel da literatura. Isto diz muito do teu valor!
A tua morte representa uma grande perda para a cultura portuguesa.
Goste-se ou não, contribuiste para um pouco mais de reconhecimento do nosso país no mundo.
Li com agrado a jangada de pedra. Um livro leve e que entendo como uma antevisão da tua "Iberia". Queiramos ou não, estamos ligados a Espanha de uma forma que não podemos controlar.
Mas para mim, O Livro é o "Ensaio sobre a cegueira! Não encontro muitos com a intensidade deste livro, com a capacidade de nos fazer pôr em causa tanta coisa e de nos obrigar a reflexões profundas.

Olhando para coisas mais mundanas sobre a tua morte, concordo com a existência de luto nacional! Goste-se ou não, leia-se ou não, concorde-se ou não com as tuas ideias, elevaste o nome de Portugal como poucos o fizeram!
Há outros que o têm feito: Lobo Antunes, Lidia Jorge, Augustina! Desejo que não tenham semelhante destino durante muito tempo, mas desejo que, quando acontecer, tenham homenagem semelhante!
É tempo de valorizar os nossos ilustres portugueses, e deixar de procurar desculpas para não os homenagear, ou para tentar diminuir o seu valor!
Começar com estas homenagens com Saramago?!? Porque não? E continuem a elogiar e a homenagear os grandes de Portugal (e outros também). Sejam eles escritores, políticos, desportistas, actores, cientistas, cozinheiros, gestores, filósofos, agricultores, jornalistas ou outros que tais! Valorizemos o que temos de bom!
RIP Saramago! E que Deus te acompanhe!

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